Vá diretamente para o conteúdo da página Ir para a navegação principal Ir para a pesquisa

O aplicativo, que se tornou uma verdadeira alternativa para regular o espaço urbano, está gerando tensões com as autoridades locais. Mas é possível uma colaboração baseada no gerenciamento compartilhado de dados.

Até recentemente, as autoridades públicas eram as únicas a organizar e gerenciar o espaço público e, em particular, o trânsito de veículos. Já não é o caso. Hoje em dia, os motoristas não seguem necessariamente as rotas traçadas pelos urbanistas e sinalizadas pelos painéis de trânsito: eles utilizam aplicativos como o Waze para economizar tempo, seguindo rotas construídas em tempo real por um algoritmo.

Ao driblar os planos de tráfego elaborados pelos municípios, estas rotas têm um impacto sobre os planos de tráfego de todo um território. Elas podem, por exemplo, transformar as “ruas tranquilas” de áreas residenciais em zonas de muito trânsito, e assim, contrariar o trabalho dos engenheiros de transporte, que não têm por prioridade definir os percursos mais rápidos de carro, mas, ao contrário, procuram refletir a vontade de tornar o trânsito suave e seguro para todos os usuários, por exemplo, integrando passagens de pedestres, calçadas largas, ciclovias e semáforos.

É como se o surgimento de plataformas como o Waze confrontasse duas representações diferentes, e às vezes contraditórias, do espaço público. Por um lado, uma organização das pistas de trânsito de acordo com um projeto de vida em coletividade, por outro lado, uma ferramenta individual indicando ao motorista o trajeto mais rápido, qualquer que seja a área atravessada. “Estas formas alternativas de regulação do espaço urbano estão gerando tensões com as autoridades públicas locais“, observa Antoine Courmont, responsável científico da cátedra Cidades e Tecnologias Digitais de Sciences Po, em seu estudo intitulado “Plataformas, big data e recomposição da governação urbana – O caso do Waze”.

Visão espacial versus visão temporal

O pesquisador contrasta a “visão espacial” da coletividade com a “visão temporal” dos aplicativos. A primeira se baseia na infraestrutura, a segunda no comportamento dos motoristas. O programa Waze trabalha com os dados e a comunicação em tempo real dos smartphones, que transmitem dados como a localização por GPS, a sinalização de obstáculos encontrados: engarrafamentos, obras rodoviárias, acidentes, etc. Estes dados são processados em tempo real por um algoritmo que determinará a rota mais rápida em um determinado momento, quaisquer que sejam as pistas utilizadas. Editores voluntários atualizam regularmente a cartografia do Waze.

Ao refletir sobre o surgimento de uma nova quantificação – a do Waze – que questiona a ação pública territorial, Antoine Courmont propõe dois caminhos: a oposição e a colaboração. De fato, os “big data” que escapam às autoridades públicas podem tornar obsoletas as opções de gerenciamento de tráfego feitas pelas autoridades locais, mas também podem ajudar os engenheiros da regulação pública.

É o que confirma o chefe do PC de trânsito de Lyon, citado pelo estudo de Sciences Po: “O Waze resolve problemas para nós. Ao redirecionar automaticamente os motoristas, eles evitam enviar mais tráfego para gargalos.” Ouve-se às vezes a mesma observação positiva nos Estados Unidos.

No entanto, o Waze é frequentemente culpado pelos incômodos causados nas áreas urbanas. As tensões que surgem podem até por em perigo os cidadãos, como em Sherman Oaks na costa oeste dos Estados Unidos. Em 2017, um incêndio deflagrou perto deste bairro de Los Angeles e os aplicativos, por sua orientação, causaram um forte engarrafamento: eles recomendavam aos moradores da periferia que atravessassem o incêndio, ao mesmo tempo em que os residentes eram evacuados da área.

Coproduzir as regras

Aplicativos como o Waze questionam “a capacidade das instituições públicas de coordenar as ações individuais de um grande número de pessoas“, observa Antoine Courmont, e as autoridades de trânsito se perguntam como recuperar o controle. Na França, o prefeito da cidade de Lieusaint, ao sul de Paris, foi mais esperto que o próprio algoritmo. O Waze aconselhava passar por esta cidade para evitar os engarrafamentos na rodovia próxima: para desviar o fluxo indesejado de carros para outro lugar, o prefeito instalou um semáforo totalmente inesperado na saída da cidade, e jogou com as vias de mão única para modificar o algoritmo do Waze.

Devem ser definidas modalidades de entendimento para coproduzir a regulação do trânsito.

Em Fremont, nos Estados Unidos, há cartazes avisando : “Não confiem nos seus aplicativos!”… Para Antoine Courmont, responsável científico da cátedra Cidades e Tecnologias Digitais de Sciences Po,  a transformação da infraestrutura viária para reduzir a velocidade é uma pista possível para as instituições públicas. Elas também podem alinhar as categorias administrativas da rede rodoviária com as do banco de dados do Waze.

Mas ele abre uma perspectiva mais construtiva: o encontro entre os dados públicos e o big data das plataformas. Devem ser definidas modalidades de entendimento para coproduzir a regulação do trânsito. Elas envolvem programas de intercâmbio de dados com base em uma parceria mutuamente benéfica: o Waze pode consolidar os dados sobre eventos perturbadores e as autoridades locais podem acrescentar um instrumento complementar à sua política.

Na França, uma dezena de autoridades locais haviam-se comprometido em 2017 (o ano do estudo de campo) com este tipo de parceria baseada em dados, experimentando uma nova divisão de trabalho entre os setores público e privado. Os atores públicos são responsáveis pela produção e disponibilização de dados de qualidade, e os atores privados pelo desenvolvimento de serviços para os usuários.

19/11/2020